domingo, 21 de fevereiro de 2010

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

O humor triste de Flávia Gusmão

Se as imagens da hecatombe   que varreu o Haiti, sem evitarmos o nosso lado voyeurista, nos deixou espantados e doridos, não pude deixar de me inquietar, quando dias depois, começaram aparecer estrangeiros, não para ajudar, mas para levarem crianças orfãs consigo, suspeitando-se, fundadamente, que pretendiam com elas fazer tráfego. Não há dúvida que o ser humano não é flor que se cheire, e tenhamos nós a nossa mais ou menos desenvolvida costela de solidariedade  a verdade é que carregamos a semente do mal.
Tudo isto vem a propósito da peça que vi no Carlos Alberto, cinicamente intitulada "AMOR", de  um brasileiro de nome André Sant' Anna ( o apelido é assim mesmo grafado,não é erro meu), protagonizada por uma jovem de cabelo louro, e olhos verdes e luminosos, de seu nome Flávia Gusmão. Recebe-nos sentada na ribalta, sorrindo para quem chega, como anfitriã cordial. Se ela nos oferecesse uma bebida e desatasse a falr de trivialidades, não me admiraria.
Não passa de uma armadilha montada pelo encenador. Mantendo no desenho de luz, uma luminosidade que abarca a assistência, não a deixando refugiar-se na escuridão, como que querendo fazer dela participante, Flávia Gusmão  lança-se num texto desapiedado, cínico e cruel, falando do mundo e de um mundo que anda à volta "das bucetas". E se aquilo começa por parecer ser uma espécie de "stand up comedy", depressa assume nuances de "stand up tragedy".
A raiva que perpassa pelo texto, onde o sentimento dominante que se denuncia é o da hipocrisia, não deixa escapar nada, nem ninguém. Nem o próprio autor.
Durante quase uma hora, uma excelente Flávia Gusmão, demiurga e feiticeira num palco vazio, debita o texto ora em português da Ibéria, ora em português tropical, sabendo onde acentuar as frases, fazer as pausas, acelerar o ritmo,ou pausar. E o texto, corrosivo e inquietante, desconcerta-nos, brinca com o politicamente, socialmente, psicologicamente correcto. "Amor" é a nossa cegueira.
O que temo,é que daqui a muitos anos (estou a lembrar-me do nosso velho Shakespeare) a cegueira que se denuncia em "AMOR" manterá uma tremenda actualidade. Bom, mas isso são outras cenas, outros cenários.
 

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010