quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Fui ver o Otelo ao Teatro do Bolhão

Há génios que foram levedados nas entranhas de Deus: Beethoven, Fernando Pessoa e neste caso, Skakespeare. Mais uma vez na minha vida de amador (o que ama) de teatro fui até ao desconfortável (mas quem ama, ama) auditório da praça Coronel Pacheco, numa noite em que natureza entendeu mostrar os dentes, fazendo cair chuva, que esta em dado momento da pera, podia ser ouvida. Temi pelo meu carro, estacionado sob a s árvores da praça....
Otelo, o mouro de Veneza, tem, como muitas das tragédias do dramaturgo inglês, esta notabilissima faculdade de nos levar até às profundas mais negras da alma humana, e questionar a nossa situação de seres racionais. Para que queremos a nossa inteligência, se hoje como no século de Skakespeare, continua a larvar o ciúme, a inveja, o suicídio, o racismo (Otelo, é um general mouro ao serviço do doge de Veneza), o instinto homicida, a intriga maléfica,o ódio? E o amor, sim, mas um amor tão embrulhado em sentimentos negros que será difícil falar daqule sentimento como  amor - talvez a excepção seja o amor de Desdémona por Otelo
Este Otelo pelo Teatro do Bolhão tinha para mim três motivos acrescidos de interesse, para além de saber que ia ver um espectáculo de muita qualidade e rigor: um era ver a encenação do japonês Kuniati Ida, homem do teatro de reputadíssimo valor, o segundo era ver o desempenho do João Paulo Costa, que conheço noutros registos, que não este, por quanto ao fazer o papel de Iago na peça, é este Iago que gera a intriga, é ele que acaba por despoletar toda a tragédia em que algumas das personagerns se atolam, perdendo a vida. O terceiro motivo de interesse era ver a Rita Lello no papel de Desdémona, e isto por uma razão muito simples, que era de a "conhecer" vagamente das novelas da TV - género de arte que considero menor, mais próximo do entretenimento oco. Será preconceituoso da minha parte? Talvez.
A verdade é que ao longo de duas horas e meia, mergulhei num puro prazer intelectual, um prazer também feito de inquietação e angústia, medo e revolta, repulsa  e desprezo, vivendo as personagens,  que é para isto que o teatro - ARTE surprema do fingimento - também serve. E foi também um prazer poder ver como o António Capelo que conheci nos seus tempos de jovem em Viana do Castelo, continua a ser um actor de alta estaleca, sem que lhe tivesse descortinado qualquer contaminação das telenovelices em que anda envolvido, com muita pena minha. Há uma marcação rigorosa em cena, um interacção dramática que também se faz com pausas arrepiantes, e ainda um guarda-roupa estupendo, que o desenho de luz (parabéns!) sabe realçar.
E puxando à brasa à minha sardinha de homem do Norte, senti um desmesurado orgulho por ver que no Porto, longe das luzes da ribalta da capital, que tudo sorve, é possível fazer um espectáculo com a qualidade do que vi. Infelizmente na noite demoníaca em que fui, não estava muita gente. No entanto como eu gostaria, num plano pedagógico que diferencia (acho eu)o Teatro do Bolhão das outras companhias, que se fizessem mesas redondas, tertúlias para se saber o grau de adesão a uma peça  e a um espectáculo tão denso e exigente, quer para os profissionais que o fizeram, quer para o públco que ali ocorreu.
Bom, mas isso são outras cenas, outros teatros.
 

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