terça-feira, 2 de março de 2010

Um vale de emoções simples na África do Sul

Numa louvável coaboração deTeatro S.João com outras grupos cénicos, trazidos até ao Porto pela mão do seu director, o encenador Nuno Carinhas, desta vez fui ver ao Carlos Alberto (sala que eu particularmente prezo, vá lá saber-se porquê) a "Canção do Vale" do sul-africano Athol Fugard. Dele e da sua dramaturgia não sabia rigorosamente nada. Mas a nacionalidade do seu autor augurava-me qualquer coisa de diferente, com os seus laivos de exotismo.
E não me desiludi. Antes pelo contrário. Aquilo cheirava a África, a post-apartheid. Trama simplicíssima: um velho negro,(José Peixoto no papel de Abraam Jonkers) agricultor, amante da terra, vive com a sua neta, ( Carla Gusmão no papel de Verónica) numa relação fraternal e pacífica. Mas o conflito estala quando Abraam Jonkers se apercebe que a neta tem outros sonhos quanto ao seu  futuro. Ela pretende abandonar o vale onde vivem, e ir viver para Joanesburgo onde pretende tornar-se cantora.
História simples, tecida numa teia explícita, mas onde circulam afectos, anseios, sonhos,medos. É uma história que tem uma localização precisa, África do Sul, mas que funda as suas raizes num país que, post-apartheid, procura novos caminhos, caminhos que lhe são próprios. E se o velho agricultor negro representa o passado conservador, Verónica é futuro. E nas canções que ela compõe está esse futuro. Não são canções tontas e desenxabidas que vamos ouvindo por aí, mas canções, como se  diziam antigamente, com mensagem. E Verónica canta para nós, e faz do público sentado na plateia o seu próprio público, e partilha connosco,ao cantar, o seu próprio sonho.
Quero dizer que já conhecia a Carla Galvão de outros  trabalhos,nomedamente com o Miguel Seabra. Sempre vi nela uma excelente actriz, carregada de talento.Mas desta vez o que me pasmou foi a sua capacidade para cantar. A rapariga canta mesmo muito bem, a sua voz por vezes atingindo as sonoridades com só as cordas vocais de uma mulher negra são capazes.
Verónica partirá para a grande cidade. E velho Abraam Jonkers, sem ira ou despeito pela partida da neta, esperará a chegada das primeiras chuvas para iniciar a sementeira. Este é um passado que não se pode ignorar. É que sem ele, não poderá haver futuro.

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