segunda-feira, 10 de maio de 2010

Aquele tal Pedro, o rei desaparafusado, e sua Inês

Fui ver mais  uma vez um espectáculo do CACE Cultural do Porto, saido da cabeça do José Carretas, um dos mais criativos encenadores que temos por aqui, sendo ele próprio o autor do texto. Aquele rei desaparafusado, em quem se concentraram algumas das taras paridas na consanguinidade ancestral -cruel, paranoico, obssessivo, bipolar ao máximo, predador sexual - continua a  ser fonte de inspiração e atracção. Sabia que, ao contrário de muitos outros criadores, o José Carretas não pretende no que escreve, introduzir visões particulares de acontecimentos passados. É aquilo que é, e pronto. Mas sob este manto de aparente objectividade, José Carretas não dá ponto sem nó. E o início do espectáculo, com aquele coro "grego" dissertando sobre a maldade de que são feitas as nossas entranhas dá o mote a todo o resto: o ser humano não é flor que se cheire. E logo de seguida arrasa-nos com um coito descarnado, com dois corpos que parecem degladiar-se  numa luta sangrenta. Adiante, que isto dará para uma próxima crónica.
Como já esperava é um espectaculo, apesar da rudeza que por ele perpassa, de uma grande beleza estética. Há soluções cénicas muito bem conseguidas, marcações irrepreensíveis, mudanças de cenas de um rigor profissional. Comovente o monólogo de Maria Rossada (isto é, violada), pela boca aqui da vianense Linda Rodrigues. Tremenda toda a cena que corporiza o assassinato de Inês. Muito bom o desempenho do "Pedro" cujo nome desconheço - o programa é omisso, quanto a mim mal, em indicar quem é quem.
A cena final, recordando-nos como Pedro e Inês se acham sepultados em Alcobaça, é extramente bela. Sem subterfúgios recomendo vivamente este espéctaculo.  Larguem a modorra embrutecedora do sofá, libertando-se da alienação televisiva e do tsunami de novelas simplórias. É daqueles espectáculos que, mantendo uma superior qualidade, é capaz de trazer novos públicos para essa coisa extraordinária que é o Teatro, a nobre Arte do Fingimento. Bom, mas isso são outras cenas, outros teatros. Ou outras novelas.

1 comentário:

  1. O Pedro é interpretado pelo fantástico actor André Brito. Já agora segue o restante elenco: Inês de Castro- Isabel Francisco; Maria Roussada e Constança - Linda Rodrigues; Teresa Lourenço e Coscuvilheira - Margarida Carvalho; Mendigo, Lutador e Pêro Coelho - António Parra; Diogo Lopes Pacheco e Bispo - Ricardo Leite; Rei, Lavrador e Papa - Pedro Fiúza; João Afonso, Carrasco e Rodrigo Afonso de Sousa- André Júlio Teixeira; Álvaro Gonçalves, Burguês do Porto e Lutador- Tiago Correia. Figurantes: Beatriz Mendanha, Beatriz Carretas, Carla Ribeiro, Nuno Porto, Palmira Moreira da Silva, Rita Campos e Sérgio Pereira.

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